Desde a década de 1960 os videogames são parte da cultura contemporânea como meio que se desenvolve com a mesma velocidade com que absorve elementos da computação, do cinema, da música, da literatura e das artes gráficas e digitais.
Por esse prisma, ao visitar a história de seu desenvolvimento, seu alcance, influência e transformações é possível identificar aspectos presentes, porém nem sempre evidenciados, na sociedade. É essa a direção que aponta o livro Política, desejos e videogame, ensaio do professor inglês Alfie Bown que chega ao país pelas Edições Sesc SP.
Gamers não são o público-alvo
Longe de ser dedicado aos gamers (que já somam mais de 3 bilhões em todo o mundo), o livro, The Playstation Dreamworld no título original, empenha-se em investigar as relações humanas com as novas tecnologias digitais nestes tempos em que estas se tornam onipresentes.
No prefácio do título, Rafael Evangelista, que é doutor em Antropologia Social e professor do programa de pós-graduação em Divulgação Científica e Cultural da Unicamp, afirma que o livro convida a ir além do senso comum que se tem em relação à cultura gamer, que, assim como as redes sociais e seus algoritmos utilizados como instrumentos para popularizar conteúdos radicais, acabam sendo associados à proliferação de mensagens negativas.
Para Evangelista, uma das contribuições de Bown é justamente a de evitar as condenações óbvias e facilitar a compreensão acerca dos diversos tipos de games e sua ampla difusão na cultura contemporânea. “Trata-se de um chamado para que prestemos atenção em seu potencial subversivo, na importância de se investir em jogos eletrônicos que permitam sonhar com outros mundos possíveis que não sejam apenas transposição da ordem atual a cenários exóticos”, avalia.
Tendo a análise dos sonhos como protagonista, a obra foi escrita a partir de uma abordagem psicanalítica. O autor afirma que videogames não são textos para serem lidos, mas “sonhos a serem sonhados”, algo que alcança um patamar de grande relevância no âmbito da psicanálise.
“Isso significa entender que no jogar está implicado algo que vai além do consciente e passa pelo desfrute e pelo desejo. Quem fica no divã não são os jogos, mas os jogadores. É a relação dialética entre criadores, obras e criaturas que se torna objeto de estudo”, afirma.
Em sua introdução à obra, Bown argumenta: “Colocar óculos de realidade virtual, ligar um Nitendo ou entrar na rede do Playstation e até mesmo visitar a Play Store do Google é algo como a sensação de entrar nas arcadas parisienses ou nas lojas de departamento londrinas em meados do século XIX.
É uma experiência que mistura a realização de desejos prometidos, devaneios e alucinações oníricas. É também uma experiência de choque, um bombardeio de imagens emocionante, avassalador e intoxicante ao mesmo tempo. Quando completamente imerso nesse mundo de imagens o jogador entra em um estado de transe, como se estivesse meio acordado, tomando decisões e movimentos que não podem ser descritos nem como totalmente conscientes nem como propriamente inconscientes.
O século XIX costuma ser descrito como ‘a era da intoxicação’, mas é agora, por meio de nossos telefones, consoles, óculos de realidade virtual e computadores, que a vida realmente parece, mais do que nunca, um sonho”.
Marx Walker , Observatório de Games.
Fonte: Observatório de Games.
qui, 16 dez 2021 00:55:12 -0300